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terça-feira, 29 de março de 2011

Nêmesis

Há nesse olhar translúcido e magnético
A mágica atração de um precipício;
Bem como no teu rir nervoso, cético,
As argentinas vibrações do vício

No andar, no gesto mórbido, esplinético,
Tens não sei que, de nobre e patrício,
E um som de voz metálico e frenético,
Como o tinir dos ferros de um suplício.

És o arcanjo funesto do pecado
E de teu lábio morno, avermelhado,
Como um vampiro lúbrico, infernal,

Sugo o veneno amargo da ironia,
O satânico fel da hipocondria,
Numa volúpia estranha e sensual.

(Carvalho Júnior)

Fantasia

E se, de repente
A gente não sentisse
A dor que a gente finge
E sente
Se, de repente
A gente distraísse
O ferro do suplício
Ao som de uma canção
Então, eu te convidaria
Pra uma fantasia
Do meu violão

Canta, canta uma esperança
Canta, canta uma alegria
Canta mais
Revirando a noite
Revelando o dia
Noite e dia, noite e dia
Canta a canção do homem
Canta a canção da vida
Canta mais
Trabalhando a terra
Entornando o vinho
Canta, canta, canta, canta
Canta a canção do gozo
Canta a canção da graça
Canta mais
Preparando a tinta
Enfeitando a praça
Canta, canta, canta, canta
Canta a canção de glória
Canta a santa melodia
Canta mais
Revirando a noite
Revelando o dia
Noite e dia, noite e dia

(Chico Buarque)

terça-feira, 8 de março de 2011

O Homem

O Homem correu... Apenas correu, largou o cigarro o jornal e saiu correndo, na tarde quente e insuportável de verão, poderia ser um frenesi momentâneo devido a um torpor anterior. Não sabia exatamente o porquê, só corria... Quase como Forrest Gump só que não contava histórias, na verdade nem uma simples piada! Não sabia nada, talvez por isso corresse.

Calçada à cima, rua a baixo, asfalto, ladrilhos... Já houvera tirado o paletó, alargara a gravata, suava... Corria, corria, CORRIA! Para onde? Para quê?

O desespero, o medo, a dor, a raiva, a angústia, já passara por tudo, só lhe restava o adormecimento das pernas a falta de ar aliado a uma sede insaciável... Mesmo assim corria!

Repentinamente, como que por magia... Sim, sua mente trabalhava. A escuridão em que lhe inebriava os pensamentos se desanuviava, ele podia enxergar como nunca, como um menino que vê algo tão inusitado e aguardado... Como o mar, como a primeira vez que o deslumbra, toda aquela imensidão. Era uma nova e surpreendente descoberta!

Seus pensamentos seus tormentos, tudo, exatamente tudo, estava explicado.

E como um trem que pelos trilhos tem seu destino traçado, ele tinha uma nova direção, rumou então para seu desígnio! Certo de que não há nada melhor, correto, sincero e inestimável a ser feito.

Quase sem forças, no âmbito de sua loucura, esclarecedora! Nos confins da cidade, lá estava o lugar! O momento derradeiro, no alto do morro a beira de um penhasco que daria em um rio, ele para! Olha ao redor aprecia pela primeira vez o entardecer, olha para baixo! As águas correntes, e então...

Ajoelha-se, deita-se de costas para o chão e adormece... 



(Crimson)